Com a Primavera e o sol dá-se sempre vontade de voltar a ler poesia. Deixa-me a sentir mais leve e maravilhada com o espectáculo da natureza. Este é um dos meus favoritos, perfeito para esta altura do ano.
A tray full of roses, Jessica Hayllar
Peonies
This morning the green fists of the peonies are getting ready to break my heart as the sun rises, as the sun strokes them with his old, buttery fingers
and they open– pools of lace, white and pink– and all day the black ants climb over them,
boring their deep and mysterious holes into the curls, craving the sweet sap, taking it away
to their dark, underground cities– and all day under the shifty wind, as in a dance to the great wedding,
the flowers bend their bright bodies, and tip their fragrance to the air, and rise, their red stems holding
all that dampness and recklessness gladly and lightly, and there it is again– beauty the brave, the exemplary,
blazing open. Do you love this world? Do you cherish your humble and silky life? Do you adore the green grass, with its terror beneath?
Do you also hurry, half-dressed and barefoot, into the garden, and softly, and exclaiming of their dearness, fill your arms with the white and pink flowers,
with their honeyed heaviness, their lush trembling, their eagerness to be wild and perfect for a moment, before they are nothing, forever?
Cansada, mas ainda ando por aqui. A ler coisas (algumas desilusões, outras surpresas agradáveis), a enganar-me em datas de aniversário (fazendo um eye roll a mim própria) e a cuscar os vossos blogs nas brechas do quotidiano. Depois de uma pausa para a Páscoa, entrei em ritmo frenético e ainda me estou a tentar ajustar novamente à realidade. Lembro-me muitas vezes daquela frase da Annie Dillard: "how we live our days is, of course, how we live our lives" e estas palavras, mais do que qualquer meditação guiada, ajudam-me a parar, respirar um pouco e rir do absurdo da vida. Esta Primavera anda ventosa e ao olhar agora pela janela, imagino esta ventania a levar toda a dor, angústia e inquietações. Ventos de mudança é o que se precisa.
No outro dia estava a rever o Anna Karénina (2012) na televisão e reparei numa cena que me tinha escapado da primeira vez que vi o filme. A nossa heroína está deitada na cama, com ar doente e surge no ecrã com os seus cabelos ondulados soltos, como serpentes. Nunca me tinha apercebido desta alusão a Medusa.
Este ano comprei uma agenda ilustrada pela artista María Hesse (já devem estar cansados de me ouvir falar dela, mas cá vamos nós outra vez) cujo tema é "bruxas e mulheres más". A cada mês, Hesse apresenta-nos uma mulher da História que é vista como má da fita: a louca, a vilã, a adúltera.
De facto, debato-me muito sobre como escrever e falar sobre problemas que afectam mulheres com pessoas que não são mulheres. Como fazer ver que ainda há muita desigualdade no Ocidente? Como explicar emotional labor e jornada dupla a quem nunca teve de se preocupar com isso?
No mês de Março, a figura que surge na minha agenda é Medusa. O seu retrato contrasta bastante com o mundialmente famoso de Caravaggio. Nesta aguarela, os olhos de Medusa são devastadoramente tristes, como se quisessem pedir desculpa pela maldição que causam.
Segundo Hesse, a história de Medusa conta-nos que, se uma mulher for um monstro, a violência é justificada, pois o seu corpo é perigoso, uma verdadeira ameaça. É trágico perceber quanto disto ainda é actual.
O filme acabou e a imagem de Karénina continuou na minha mente. Não era só o cabelo que me lembrava a mitologia, os seus olhos eram também os de Medusa. Eram os olhos de todas as mulheres quebradas de mil formas diferentes. Mulheres essas que nos devolvem um olhar sem brilho, um olhar tão absolutamente desesperado, que nos consegue petrificar.