MULHERES MÁS
e velhos problemas
No outro dia estava a rever o Anna Karénina (2012) na televisão e reparei numa cena que me tinha escapado da primeira vez que vi o filme. A nossa heroína está deitada na cama, com ar doente e surge no ecrã com os seus cabelos ondulados soltos, como serpentes. Nunca me tinha apercebido desta alusão a Medusa.
Este ano comprei uma agenda ilustrada pela artista María Hesse (já devem estar cansados de me ouvir falar dela, mas cá vamos nós outra vez) cujo tema é "bruxas e mulheres más". A cada mês, Hesse apresenta-nos uma mulher da História que é vista como má da fita: a louca, a vilã, a adúltera.
De facto, debato-me muito sobre como escrever e falar sobre problemas que afectam mulheres com pessoas que não são mulheres. Como fazer ver que ainda há muita desigualdade no Ocidente? Como explicar emotional labor e jornada dupla a quem nunca teve de se preocupar com isso?
No mês de Março, a figura que surge na minha agenda é Medusa. O seu retrato contrasta bastante com o mundialmente famoso de Caravaggio. Nesta aguarela, os olhos de Medusa são devastadoramente tristes, como se quisessem pedir desculpa pela maldição que causam.
Segundo Hesse, a história de Medusa conta-nos que, se uma mulher for um monstro, a violência é justificada, pois o seu corpo é perigoso, uma verdadeira ameaça. É trágico perceber quanto disto ainda é actual.
O filme acabou e a imagem de Karénina continuou na minha mente. Não era só o cabelo que me lembrava a mitologia, os seus olhos eram também os de Medusa. Eram os olhos de todas as mulheres quebradas de mil formas diferentes. Mulheres essas que nos devolvem um olhar sem brilho, um olhar tão absolutamente desesperado, que nos consegue petrificar.