O PERIGOSO MITO DA PERFEIÇÃO
Não é preciso ser um entendido na matéria para perceber que ser um atleta de competição exige extrema força e dedicação. Mesmo quem não acompanhe os jogos olímpicos calcula os treinos que estarão por detrás daquela prova final. Quantas lágrimas de frustração, quantas gotas de suor, quantos "repete" e "outra vez".
Eu não sou atleta de competição (nem nunca sonhei ser), mas pratico ballet como hobby e gosto de acompanhar algumas competições internacionais de dança. É, pelo menos para mim, encorajador ver profissionais a fazer aquilo que sabem fazer melhor. Inspira-me a continuar a praticar, ainda que o ballet não seja a minha carreira.
No entanto, estou ciente que na carreira de qualquer atleta, (ou artista no caso do ballet) a pressão para ser perfeito é enorme. Ainda assim, é no feminino que esta noção de perfeição é mais evidente. O que se exige às raparigas em nome do mito da perfeição não é aceitável, é pura e simplesmente desumano. Porém, continuamos a aceitá-lo e a tapar os olhos.
Anorexia is a 21st-century illness and it's fairly common. Unfortunately, not everyone can cope with it.
Vou dar-vos alguns exemplos. Em 2014, uma menina chamada Yulia Lipnitskaya representou a Rússia nos Jogos Olímpicos de Inverno. Ao som do violino da Lista de Schindler, esta jovem de 15 anos conseguiu hipnotizar o público e o júri. É impossível ficar indiferente à sua performance, mesmo quem não ligue patavina a patinagem artística consegue perceber que o que ela fez é incrível e extremamente comovente. A performance termina, a plateia está ao rubro, o júri dá a pontuação, Putin um abraço e a medalha é ganha. Onde está Yulia agora?
Em 2017, a jovem patinadora reformou-se confessando que sofria, já há vários anos, de anorexia. É uma velha história que já conhecemos, mas que não deixa de se repetir. E os treinadores que a deixaram competir lesionada, perturbada e a sofrer em silêncio, onde estão? Não me espanta que a Yulia não tenha saudades do ringue.
O caso de Yulia não é único. Em 2018 a ginasta americana Katelyn Ohashi partilhou publicamente as razões que a fizeram retirar-se dos circuitos de competição de elite em 2015. A jovem, que chegou a derrotar Simone Bailes, não só estava gravemente lesionada nas costas, como sofria de um distúrbio alimentar. O mundo da ginástica disse-lhe que ela era demasiado gorda para competir. Felizmente, Katelyn parece ter recuperado a sua paixão pelo desporto e compete agora a nível universitário.
And another side of ballet is always being so skinny. That was really mentally hard for me to sustain healthfully.
A negligência face à saúde física e mental das atletas femininas é algo que não deixa de me indignar. O ano passado a bailarina Miko Fogarty anunciou que ia trocar a dança pela medicina. As razões? Não só sentia uma pressão incrível para ser magra e ter um determinado tipo de corpo, como a paixão pela dança se tinha diluído pelo caminho. Tendo começado a dançar a tempo inteiro desde muito nova, mesmo antes de se juntar a uma companhia, a decisão de Miko não me espanta.
O perigoso mito da perfeição está por detrás destas e outras histórias. As três que mencionei acabaram bem. Mas, para muitas meninas, o conto não tem um final feliz.